sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

esfumaçado céu da boca

















me preparo pra ser lançado violentamente à rua 
junto com a fumaça, uma cusparada direta 
dos brônquios acesos da viciada urbe
aos olhos injetados de um transeunte 


e enquanto eu planava em queda livre
ela flanava vagarosa no ar
até se encontrar com as baforadas do ônibus, 
da fábrica e do bar


dou um tempo e acendo um cigarro 
a fumaça que expiro me faz pensar
que não é só a gente que consome o planeta 
ela também fuma nossa existência 
não é sua culpa, ela foi viciada
antes de você, de mim
da alma virar maço e ser industrializada 


enquanto acesos 
o mundo friamente nos inala
em compulsiva e dissimulada calma
consome vida e excreta fumaça
fotossíntese ao avesso 
depois joga a guimba na praça 
me torno também seu veneno 
pessoas fumam diariamente
eu causo dependência, asma e pigarro
pra não ser tragado rapidamente
mas prefiro ser o prazer de alguém 
do que o catarro escarrado pelo mundo
na cara de um zé ninguém


e enquanto não me apagam
e o mundo não morre de câncer
no esfumaçado céu sem estrelas
espero, queimo teimosa e lentamente
um cigarro amargo apenas 
ardendo em brasa indecente 
estuprando pulmões
se alimentando do alheio ar
esperando o beijo molhado
da próxima boca 
que irá me tragar

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