sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

uma noite intragável

num domingo de chuva
para um dia de ressaca

meu amigo Terto liga
- Léozinho, preciso conversar.
Terminei com a Flavia de novo.
Vamo num bar?

Nem a azia corroendo o estômago
nem a apostila a ser decorada
pra um seminário do dia seguinte
me impediram de aceitar o convite.

Metade pela voz engasgada do meu camarada.
Outra pela irracionalidade
de tentativa de cura de uma ressaca
com outra ressaca.

Valeria pelo menos pelo passeio.
Tv aberta já é uma merda. Num domingo, à noite, de ressaca então...
Futebol, Faustão, Fantástico, fudeu...
É sentir que o inferno é o mar molhando seus pés nas enseadas do purgatório...
Enfim, ao bar!

Fomos em um perto da estação de trem
de Santo André
aconchegantemente sujo, abrigo perfeito
para vagabundos nada iluminados,
assalariados mal pagos,
meliantes malogrados,
putas de rua, putas de vintão,
putos da vida,
fracassados, tanto no pessoal quanto no profissional
e claro, no conjugal.

Devidamente ancorados e protegidos da tormenta que caía
ele falava de seu caso. O fim da relação. Crônica de uma morte anunciada.
Sabia que não renderia mais nada. Namoravam há mais de quatro anos
tinham dado uma pausa dramática de alguns meses.
Voltaram. Ele não aguentava ficar solteiro.
Havia um mês e pouco que tinham retomado os capítulos da novela.
Decidiu naquele dia que não dava mais.
Queria mais, mais calor, mais aventura, mais riscos...
Não aguentava mais o mesmo de sempre,
os mesmos encontros, mesmas conversas,
mesmo jeito de fazer amor,
conveniências, conivências
segurança.

Almejava um mundo novo,
partir, abrir a pauladas a mata virgem
dos territórios desconhecidos de sua vida amorosa.
Mas afligia-lhe um medo. Dois na verdade.
1 - de tê-la magoado, boa moça, simpática, compreensiva, sem vícios
2 - aquele cagaço que dá de perder a segurança supracitada
dos braços acolhedores
da cama morna
do chamego fácil.

Quando namoramos, a sério
nos acostumanos tanto com essas delícias
nos fechamos na caverna, feito ursos.
Já temos o mel,
surge a sonolência, hibernamos.
A gente acaba se entediando,
e não à toa engordamos.

Sou um péssimo conselheiro, mas disse a ele que relaxasse
mulher tinha de monte por aí - 4 milhões a mais que homens no Brasil, segundo o IBGE
e aventuras não faltariam na boemia
eu não era um bom exemplo, mas contei que a solteirice é legal,
liberdade, sacanagens, viagens e tal

Ele começava a se sentir melhor, com mais esperança e alegria
- devia ser a terceira ou quarta cerveja que tomávamos
Tudo ia correndo bem até
a gente bebendo e chafurdando em nossas paixões mal resolvidas,
imaginando as próximas
os malacos jogando sinuca
casais fumando e se apalpando as coxas

Então avistei um tiozinho
bêbado
velho
como o da pinga
no copinho de plástico que segurava
Acho que queria um cigarro
que por incrível que parecesse,
não era vendido naquela espelunca

Tinham dois policiais lá
tomando umas, comendo coxinhas,
botando música brega no jukebox

o tiozinho não acreditava
na falta de cigarros entre os produtos oferecidos
bêbado
ficou pedindo os cigarros
pediu até para os policiais

Eles lhe mandaram
cair fora do boteco
teimoso, como todo
bêbado
ficou no lugar, balançando
quase caindo
com o copinho de plástico na mão

Os homens o ameaçavam
tentando impor autoridade
com o cacetete na mão
ele se recusava a deixar o bar
chovia lá fora
tentaram arrastá-lo
ele se segurava como podia

bebíamos numa mesa do lado de fora
perto do casal fumante
e de alguns meliantes
e assistíamos a cena de perto

os policiais
se impondo como autoridades
com os cacetetes nas mãos
o arrastaram para fora
nossa mesa quase caiu
pediram desculpa

e o levaram ao outro lado da rua
por meio de bordoadas
em meio à chuva
olhávamos mudos

o tiozinho se debatia
bêbado
com o copinho na mão
caiu na calçada
bateu a cabeça
em meio a bordoadas
sob a chuva

os policiais ainda espirraram
um spray de pimenta
bem no meio da cara dele
feito uma barata na sala de estar

e ele ficou lá, estatelado
com a pernas pro ar
bêbado
balbuciando algo
molhado
com a chuva
que teimava em cair

e ninguém
ousou rir
além dos policiais
que voltaram a beber
comer coxinhas
e por música brega no jukebox
com cara de autoridade
ninguém ousou
intervir
como nós
parados, bebendo,
chafurdando, lamentando
paixões mal resolvidas
protegidos da chuva

o casal fumando e se apalpando as coxas
excitados
os malacos jogando sinuca
e a chuva acompanhando tudo

paramos de lamentar
fumamos um cigarro
terminamos a garrafa
e fomos embora
tomar a saidera
em outro lugar.

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